A chegada do sol, parte II

Por duas semanas ela o observou. Do assento próximo à janela via-se todo o recinto, mas apenas a cadeira dele a interessava. Fitava a forma como ele colocava a Bic azul na boca e ficava balançando entre os dentes, tamborilando algum ritmo, provavelmente samba. Ele tinha cara de que gostava de samba, do bom samba - daquele feito por Adoniran Barbosa, não pagode do Soweto - das letras bem escritas, das canções melódicas e vibrantes ao mesmo tempo. Ela observava como ele sempre deixava uma perna no chão e a outra apoiada na cadeira da frente, de tempo em tempo invertendo-as. Anotava pouco do que o professor dizia. Chegava sempre atrasado, saía sempre mais cedo. No intervalo ia ao banheiro, tomava água no bebedouro, lanchava esfiha (um dia de frango, noutro de carne) e Coca-cola. Retornava para o seu lugar, conversava com alguém e a aula reiniciava.

Dez dias úteis - e como foram úteis! - se passaram até que no ônzimo dia ela se aprochegou do rapaz. Já tinha o roteiro pronto: perguntaria se ele havia anotado a matéria de tal dia porque ela havia faltado e tal...

-Oi! Jóia? Você anotou o conteúdo da aula de quinta-feira? Eu não vim...
-Ah, claro! - respondeu solícito - Não anoto muita coisa, mas tá aqui o que eu escrevi.
-Obrigada!

Folheia com muito interesse as páginas. Anota uma ou outra coisa e o devolve.

-Puxa, deu pra entender tudinho! Você anota muito bem. Agora posso faltar aula tranquila que já sei de quem pegar o conteúdo.
-Eu mato mais aula que você.
-Humm, como é que você sabe?
-Até hoje todos os dias que eu vim, você também veio.

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